uma espécie de ponto de situação.
Já perdi a conta às vezes que reescrevi este texto. Já me questionei se fazia sentido, se seria oportuno, se não me estaria a expôr demasiado (a questão do limite do que devo, ou não, partilhar é sempre uma escolha difícil para mim, confesso), mas concluí que sim, que faz sentido falar-vos um pouco do que sinto hoje, do agora e da minha "ausência" dos últimos tempos.
O beija-flor é uma marca que se quer autónoma mas, verdade seja dita, vive muito de mim, Su, enquanto criativa e criadora. Na prática isto reflecte-se num projecto com uma linguagem muito própria e que procura ser coerente mas também muito dependente de mim e da minha capacidade/ disponibilidade, o que pode ser bastante castrador e até limitador.
2018 foi intenso, cheio de projectos desafiadores e trouxe ainda a melhor notícia: a chegada do nosso João para o ano seguinte. 2019 veio com alguns sustos de saúde e o trabalho, que até então sempre fora uma prioridade, foi forçado a abrandar. A vontade de andar por aqui, de partilhar trabalho, processo criativo,foi esmorecendo e, de alguma forma, respeitei e aceitei isso.
2019 foi transformador: tornei-me mãe e este foi sem dúvida o maior desafio de todos. Aliás, ainda o é. O João veio vincar prioridades mas veio também mostrar-me a importância do meu trabalho, do espaço e tempo para mim, para o meu projecto pessoal - o beija-flor.
E ainda em 2019, o ano em que me torno mãe, perco a minha mãe. Perco o chão, o sentido de pertença e vejo-me forçada a aceitar uma ausência injusta e repentina.
Talvez por 2019 ter sido tão exigente aguardava 2020 na procura de um recomeço feliz. Tantos projectos, até aqui, na gaveta, à espera de oportunidade para ganharem vida em mais um início de década.
No entanto, neste momento tão avassalador, tomamos consciência do quão frágeis somos, na mesma medida em que podemos, e devemos, ser resilientes.
Vivemos tempos únicos, incertos e por isso assustadores, mas em conjunto haveremos de dar a volta. É altura de nos mantermos seguros e positivos, tentando ver o melhor lado de todo este caos. Aproveitemos para abrandar, para estar, cuidar de nós e dos nossos, aproveitemos para focar e ganhar forças para um novo recomeço.
Os projectos continuarão guardados mas o pensamento e o processo criativo continuam, para que possam tomar forma num futuro próximo. A prioridade por agora é mesmo a nossa segurança, a nossa/vossa saúde. Decidi retomar as partilhas mais frequentes porque quero forçar-me a criar, a seguir em frente, mesmo quando tudo parece dar para trás. Não vou esperar pelo recomeço ideal, pelo momento ideal para voltar, porque o momento é este mesmo!
Dito isto, e em jeito de conclusão que o texto já vai muito longo (desculpem!), deixo-vos aqui um recorte que encontrei numa edição antiga do jornal Público e que vai directamente para o meu diário desta quarentena, ou vá, isolamento voluntário.
É verdade, estou a fazer um diário destes dias, como exercício livre de registo de cada dia e para que um dia possa contar ao João como foram estes nossos dias vividos exclusivamente a 3 e relembrar este período, quando tudo já tiver passado e esquecido. Sim, porque vai passar tudo, vai tudo ficar bem ou pelo menos muito melhor.
[* o recorte enternecedor é de uma ilustração do livro "O velho mais velho do Mundo", da Máquina de Voar, escrito por César Madureira e ilustrado por Catarina Correia Marques. Quando o encontrei, para além de não conhecer o livro e ter ficado muito curiosa (daqui a umas semanas vou espreitá-lo ao vivo!), achei que fazia sentido nesta altura em que os velhos, os nossos velhos, estão numa posição tão frágil. Isso e porque tenho pensado na minha mãe vezes sem conta nestes dias, na falta que me faz.]
Encherei este diário com palavras, desenhos, recortes, colagens, o que me apetecer, o que tiver cá em casa. Há por aí alguém que também esteja a fazer um diário destes dias? 😊